Autoconhecimento e aceitação, o processo

Se conhecer não é algo fácil. Já se perguntou o que você mais admira em si mesmo? Quais as suas características mais marcantes? Convivemos com nós mesmos desde que nascemos e achamos que nos conhecemos muito bem, mas é só alguém perguntar algo mais profundo sobre nós (como por exemplo, o que você faz para que as pessoas gostem de você) que ficamos muito tempo pensando, e às vezes nem conseguimos responder, vendo assim que não nos conhecemos bem.

Não existe uma fórmula mágica para se conhecer, acredito que cada pessoa tenha algo em si próprio que ainda não saiba ou não descobriu, e em algum momento irá descobrir, sabe-se lá como.
Este post é mais um relato. Sobre como eu me conheci.

Em 2015, eu tomei uma decisão que foi passar pela transição capilar. Até então eu já tinha usado meu cabelo de diversas formas: curto, comprido, com as pontas vermelhas, com californiana, liso “escorrido”, liso com cachos nas pontas, com franja, sem franja, dividido ao meio. Eu sempre gostei de mudar o meu estilo através dos cabelos, mas eu me submetia a químicas. Eu alisava meu cabelo.

Então, aos 15 anos de idade, eu fui perceber o quão isso era estranho. Eu tinha 15 anos e não conhecia meu próprio cabelo natural. Ele vinha sendo alisado desde os meus 10 anos, por influência da minha tia e da minha mãe, que diziam que cabelo liso era mais fácil de cuidar. Será mesmo?

Depois de me dar conta disso, parei de alisar o cabelo e fui deixando-o crescer naturalmente. Cortei ele chanel e comecei a utilizar algumas técnicas de texturização. Essa é a fase chamada transição capilar.

Nesse meio tempo eu (re)descobri um artista incrível chamado Emicida. Eu conhecia uma ou duas músicas dele, mas nunca tinha parado para apreciar sua arte. Descobri um CD chamado “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa” e aprendi tanto com esse CD (aprendo até hoje)! Mais do que nas aulas de história da escola! Foi aí que fui entendendo algumas coisas. Coisas como a minha cor. Entendi que sou negra, apesar de ter a pele clara. Entendi porque minha mãe e tia diziam que era mais fácil cuidar de um cabelo liso, sendo que dava tanto trabalho quanto usar meu cabelo natural. Entendi como é importante reconhecer os privilégios que tenho. Entendi o quão importante é estudar a história do meu povo. E entendi o quão importante é apreciar a arte e procurar o significado das coisas nas entrelinhas.

Com seis meses de transição, taquei a tesoura no cabelo, aquele processo que chamamos de Big Chop, sabe? Cortar toda a parte com química e usar o cabelo natural. Lembro que fui à cabeleireira, e ela nunca havia cortado um cabelo assim antes. Eu ficaria apenas com quatro dedos de cabelo, e ela estava morrendo de medo de eu não gostar e culpá-la. “Vai na fé”. Não foram exatamente essas palavras que usei, mas consegui convencer ela a cortar e: que sensação maravilhosa! Ali foi a primeira vez que eu me conheci. A cada barulho que eu escutava da tesoura era uma sensação de libertação. Eu realmente não sei explicar o que senti. Mas, quando ela terminou e eu me olhei no espelho, eu me vi. Me vi como eu realmente era, e me apaixonei naquele momento.

Dizem que depois que eu cortei o cabelo, fiquei mais “eu”, mais descontraída, mais alegre. E é verdade. Aquilo foi muito além de um corte de cabelo. Foi aceitação, foi coragem, foi ir contra a vontade de muitas pessoas, foi (auto)conhecimento.

Um ano e alguns meses depois, coloquei Box Braids, tranças enormes. Mais uma vez foi coragem. Mais uma vez foi ir contra a vontade de muitas pessoas (ah, como foi). E dessa vez, foi também sofrer racismo por conta de tranças, acredita? Mas isso fica de história para outro post.

Cada vez mais eu pude entender o porque de muitas pessoas não se aceitarem como são (seja cor da pele, formato do corpo, seu cabelo, etc.) e como isso é ruim para nós mesmos.

Neste ano, mais um ato: raspei meu cabelo! Assim como está na foto que ilustra esse post, e eu me sinto tão bem ao olhar no espelho. Me sinto eu mesma de novo. Conheço meu rosto, cada parte dele (antes ele era escondido pela minha cabeleira). Mais uma vez: aceitação, coragem, contra a vontade de todos, se conhecer.

Em todas essas mudanças eu lutei. Lutei contra pessoas com pensamentos preconceituosos, dentro e fora de casa. Chorei. Mas, acima de tudo, aprendi a me amar (mais) e me aceitar (cada dia mais) como sou.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

16 comments on “Autoconhecimento e aceitação, o processo

  1. Realmente aceitação é um processo. Amei ler sua história e fico feliz em percebe que em todas essas mudanças você se enxergou linda do jeito que é. Sinto muito pelo preconceito que você sofreu. Mas continue refletindo sua luz por onde for para iluminar essas mentes tenebrosas!
    Aah Vi, eu te indiquei numa tag lá no blog! <3
    Beijos
    Tamara
    tamaravilhosamente.com

  2. aaa como eu amei e me identifiquei com esse post! Também pela passei pela transição e alisei o cabelo pelo mesmo motivo. A mudança é realmente uma coisa assustadora, e lidar com a opinião alheia (ainda mais quando se trata da nossa família e amigos) é uma coisa muito complicada. Eu te admiro demais, não só por toda essa coragem de se descobrir independente do que dizem, do medo, mas também pela pessoa que tu é. Espero seguir esse exemplo (e um dia ter coragem de radicalizar e lacrar tanto quanto você haha)! 

    Bjos, Marinspira ♥️

  3. Sabe esses posts que dão quentinho no coração?! Esse foi um deles. É lindo se (re)conhecer. É libertador como nada pode ser.
    Mas mais do que se conhecer é se aceitar, se entender, se amar. É parte do processo de se tornar adulto, eu acho. É como se você ficasse apenas consigo mesmo e dissesse: só tenho isso. Mas que baita ISSO ein?!
    Amei seu post e te conhecer um pouquinho mais, você é incrível Vitória!

    Boa sorte com tudo, beijo <3
    http://www.amavelgirassol.blogspot.com/

  4. Que texto mais inspirador Vitória, parabéns por abrir o coração e compartilhar um pouco da sua experiencia conosco. Passei duas vezes pela transição, e entendo o que você diz sobre a leveza que encontramos a nos olhar no espelho nos reconhecer e aceitar e como é libertador começar a lidar o foda-se para a opinião alheia.

  5. INCRÍVEL!
    Vi, hoje você tá muito mais maravilhosa do que antes. Você se conhecer e se aceitar diante de um espelho sem dúvida é a parte que mais importante. Se amar por cada pedacinho seu, porque cada pedaço remete a sua história. Arrasou!

  6. Me vi nesse post!
    Sempre tive o cabelo liso exatamente pela mesma desculpa "é mais fácil de cuidar", sendo que uso muito menos produtos hoje em dia, e demoro bem menos para me arrumar.
    Eu passei pela transição por conta de um corte químico, mas durante o processo, quando chegou a hora de alisar de novo, já não me reconhecia mais lisa.
    Também tive de procurar alguém que quisesse cortar meu cabelo kkk
    Depois que desisti dele rosa, passei em umas 3 pessoas e ninguém quis cortar joãozinho kkkk

    • Hahaha, as pessoas ficam com medo de cortar, e com razão, né? Elas acham que não vamos gostar e culpá-las (certeza que isso já deve ter acontecido).

  7. Ler esse tipo de ver me faz ter cada vez mais certeza de como os seres humanos são interessantes. Sim, pois é. Eu venho percebendo isso nos últimos meses, pois é incrível como cada um li consigo mesmo de um jeito diferente, se aceita e se sente bem com suas próprias peculiaridades. A graça da vida está nisso: ver como uma um é excepcional à sua maneira!

    Eu amei ler esse relato, pois dá pra ver o quanto você foi ficando mais feliz com cada mudança, Me lembro de quando estava na transição: eu me sentia HORRÍVEL, e hoje, mesmo meu cabelo não armando mais como antigamente (ele vai crescendo, vai pesando, e começa a cachear mais nas pontas haha), eu me sinto infinitamente bem com ele, e quero que cresça cada vez mais (pra eu poder fazer tranças hihi).

    Fico imensamente feliz de saber que você está cada vez mais avançando nesse processo de se aceitar e descobrir. Muito gente por aí vai falar de qualquer jeito, então a melhor coisa é ignorar e seguir sendo feliz da forma que nos faz bem <3

  8. Uau, que post!!! Adorei!
    Tão bom esse sentimento de se reconhecer e se aceitar do jeitinho que a gente é <3 E fico realmente feliz por você ter conseguido isso. É um processo que fazemos aos poucos, que deve ser trabalhado todo dia, mas que com certeza renderá bons frutos mais tarde ^^